Estamos no finalzinho do Setembro Amarelo, o mês de prevenção ao suicídio. No Brasil, a Organização Mundial de Saúde estima que quase 6% dos habitantes sofram depressão, o transtorno mental mais frequentemente associado ao suicídio.
Quadros de depressão e comportamentos suicidas são especialmente delicados quando se manifestam em pacientes oncológicos. Em entrevista exclusiva ao nosso site, a psicóloga Mirian Montanheiro, integrante do Comitê Científico do Melanoma Brasil, fala sobre a relação entre câncer, depressão e suicídio e mostra como equipes de saúde e familiares podem amparar o paciente que enfrenta este tipo de problema.
Um estudo do Observatório de Oncologia mostra que a chance de um paciente oncológico desenvolver depressão varia de 22 a 29%. De que maneira o câncer se relaciona com o transtorno?
Como os próprios números do Observatório de Oncologia mostram, não podemos afirmar que um paciente de câncer vá necessariamente sofrer de depressão. No entanto, não podemos subestimar o risco de que isso ocorra. Perdas e fatos marcantes podem desencadear a depressão, e nesse sentido o tratamento oncológico requer atenção redobrada. Receber um diagnóstico de câncer pode abalar profundamente a vida e as emoções de uma pessoa. No caso do melanoma, por exemplo, há pacientes que escutam: “Ah, mas câncer de pele não é nada”. Porém, no momento em que entendem a complexidade e a gravidade da situação, percebem que as coisas não são bem assim. Surgem dúvidas, medos e inseguranças. Mesmo em casos de desfecho favorável, o tratamento pode ser percebido como a perspectiva de perda da saúde. O paciente pode também se sentir culpado caso tenha histórico de exposição solar ou tenha negligenciado medidas preventivas ao longo da vida. Tudo isso pode contribuir para desencadear um quadro depressivo. Daí a importância do acolhimento desses pacientes e da empatia pelo que sentem. Não existe jeito certo ou errado de reagir à convivência com o câncer, seja qual for o prognóstico ou o tipo de tumor.
Nos casos em que a depressão se instala, pode haver aumento no risco de suicídio por parte do paciente?
A depressão é o transtorno mental mais frequentemente associado ao suicídio. Nos casos de pacientes oncológicos com depressão, existem pesquisas nacionais e internacionais que apontam risco de suicídio mais elevado. Mas, novamente, isso não significa que todas as pessoas deprimidas manifestarão tendências suicidas, mas sim que a situação precisa ser observada de perto, especialmente nos pacientes oncológicos. Além da depressão, eles enfrentam um problema de saúde complexo. Mas, assim como o próprio câncer, a depressão também pode ser tratada. Uma intervenção rápida ajuda a diminuir o risco de suicídio e a melhorar a qualidade de vida.
Quais são os sinais de que um paciente pode estar deprimido, e como diferenciar de episódios pontuais de tristeza ou desânimo?
Sentimentos de tristeza e desânimo fazem parte da vida e não são sinônimos de depressão. É perfeitamente compreensível que surjam quando enfrentamos um momento delicado, como um tratamento de câncer. A depressão vai muito além de episódios pontuais. Os sintomas mais comuns incluem um sentimento de tristeza que dura a maior parte do tempo, a perda de interesse nas atividades cotidianas, perda de apetite, isolamento, surgimento de pensamentos pontuados por uma negatividade intensa, que leva à falta de esperança. A pessoa deprimida tem dificuldade de se concentrar, de tomar decisões, de executar tarefas que antes desempenhava com desenvoltura, além de ser frequentemente invadida por pensamentos de morte, que podem evoluir para comportamentos suicidas. Em estágios mais avançados do câncer, pacientes depressivos podem, por exemplo, sentir-se um peso para a família, acreditar que não existe nada mais a ser feito. Como o paciente nem sempre verbaliza claramente o que pensa e sente, é importante que as pessoas mais próximas e as equipes de saúde fiquem atentas para ouvir o que não é dito e captar os sinais que ele emite.
Como identificar comportamentos potencialmente suicidas?
O paciente pode demonstrar suas ideias suicidas por meio de sinais verbais e não verbais. Pode haver mudanças bruscas de comportamento. O paciente pode começar a resolver assuntos pendentes, mesmo que não necessitem solução imediata, pode dizer frases direta ou indiretamente relacionadas à intenção de morrer: “No ano que vem, não estarei mais aqui”; “Não quero mais viver”; “Não vou aguentar.” Pode também enviar ou publicar mensagens em tom de desculpas ou despedida. Não podemos subestimar nenhum indício.
Uma vez diagnosticada a depressão no paciente oncológico, é possível propor algum tipo de tratamento?
Existem diversas estratégias para tratar a depressão, que podem combinar psicoterapia e uso de medicamentos. A escolha da modalidade mais adequada depende do quadro emocional do paciente e também do tipo de tumor e do tratamento oncológico realizado.
Como apoiar o paciente com câncer que sofre de depressão?
Faz diferença contar com uma rede de apoio formada por amigos e familiares e receber o atendimento mais humanizado possível por parte dos médicos e profissionais de saúde. Quando o paciente está deprimido, devemos acolhê-lo e escutar o que tem a dizer, sem sermões ou julgamentos, incentivando-o a procurar ajuda e oferecendo auxílio para isso. Caso o paciente manifeste tendências suicidas ou tente por fim à própria vida, é importante para quem está ao redor compreender que este ato não está relacionado a um desejo real de morrer e se afastar das pessoas queridas. O suicida sente uma dor absurda, insuportável, e a morte é a única forma que acreditam ser capaz de aliviar esse sofrimento. Por isso precisamos demonstrar empatia e afastá-lo de qualquer sentimento de culpa relacionado ao surgimento do câncer. A rede de apoio e a equipe de saúde também podem demonstrar que estão por perto para protegê-lo, transmitindo esperança e reforçando que sempre existe algo a ser feito, não importa qual seja o prognóstico da doença.