Receber um diagnóstico do câncer de pele mais perigoso não é nada fácil. Mas qual o impacto do melanoma na saúde emocional do paciente? Em entrevista ao portal do Instituto Melanoma Brasil, a psicóloga especializada em oncologia Isabella Gontijo, Secretária Geral da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia, conta como o tratamento oncológico, e o do melanoma em especial, pode interferir na saúde mental e até mesmo no prognóstico. Assim, em qualquer fase da terapêutica, não podemos nos concentrar apenas nos sintomas físicos. O suporte psicológico é fundamental, ao lado do apoio da família e demais pessoas ao redor do paciente.
Qual o impacto que o diagnóstico e, posteriormente, o tratamento de um câncer podem ter sobre a saúde mental de um paciente?
O diagnóstico de câncer é carregado de crenças sociais e familiares relacionadas a um aspecto negativo. A princípio, esse diagnóstico pode significar dificuldades, perdas, fragilidade… O diagnóstico, principalmente no momento em que é recebido, tem um significado de ruptura do próprio bem-estar, e isso se reflete em sentimentos como tristeza, nervosismo, angústia, raiva, e medo, gerando impacto para a saúde mental. Assim como perder um ente querido provoca o luto, um diagnóstico oncológico também pode trazer um significado de luto, porque alguns papéis precisam ser ressignificados, como o papel profissional, familiar, maternidade/paternidade, ou outros desempenhos que o sujeito tem na própria vida. Portanto, pode ser vivenciado um luto relacionado às perdas existentes nesse processo de ressignificação de papeis e funções.
Muitas vezes, ao tratar um câncer, profissionais e pacientes se concentram apenas nos sintomas físicos da doença. Qual a importância do suporte emocional ao longo do tratamento, e quando deve ser iniciado?
O tratamento oncológico deve ser direcionados para os aspectos bio–psico-sócio-espirituais, pois nós enquanto sujeitos somos constituídos por todas essas facetas, e não apenas pelo aspecto físico. Direcionar o tratamento apenas para os aspectos físicos não vai cuidar do sujeito como um todo, os objetivos vão ser limitados. O enfrentamento emocional deve ser trabalho pois potencializar o resultado do tratamento. Temos dados que sinalizam desfechos ruins quando os aspectos emocionais e sociais não são manejados ao longo tratamento. Esse cuidado psicossocial deve ser iniciado desde o início da terapia.
Além do apoio profissional, que outras medidas podem ajudar um paciente a cuidar da saúde mental, e como a família e as pessoas ao redor podem contribuir com isso?
Além do apoio da equipe de saúde mental, de psicólogos e psiquiatras, é importante que o paciente tenha o suporte da sua rede de apoio. Isso inclui familiares, amigos, colegas de trabalho, colegas de grupos esportivos ou da própria religião. Isso tudo vai influenciar no bem-estar, ajudando o paciente a não se sentir sozinho em meio ao caos. Essa rede pode auxiliar em questões, simples, como ouvir, acolher, levar ou buscar nas consultas, auxiliar na alimentação, e às vezes até mesmo proteger de pessoas inconvenientes, que não são favoráveis, não têm repertório para auxiliar o enfrentamento daquele paciente.
Um estudo do Observatório de Oncologia mostra que a chance de um paciente oncológico desenvolver depressão varia de 22 a 29%. Depressão, ansiedade e outras questões de saúde mental podem interferir ou comprometer o prognóstico do tratamento oncológico?
O quadro psicológico pode sim influenciar o prognóstico de forma positiva ou negativa. Nós temos dados que mostram maior morbidade e um tempo de sobrevida menor entre os pacientes com nível de estresse elevado. É importante que esses sintomas como ansiedade, tristeza, angústia, estresse e medo, sejam triados em acompanhamento, da mesma forma que os exames e marcadores biológicos são monitorados. Pois, dependendo da fase do tratamento, o sujeito pode vivenciar períodos de crise, e precisamos oferecer tratamentos individualizados para aquele momento.
Falando especificamente sobre melanoma, trata-se de uma condição desconhecida por quase 80% dos brasileiros, que costumam considerar o câncer de pele algo menor. Minimizar a gravidade da doença pode impactar o paciente?
O melanoma ainda é pouco falado, pouco discutido. Existe uma negligência em abordar esse tema, esse diagnóstico em nossa comunidade. É necessário que sejam feitas campanhas de conscientização sobre a importância do monitoramento e do acompanhamento, e isso pode mudar essa cultura de minimizar a gravidade da doença.
Receber um diagnóstico do câncer de pele mais perigoso pode impactar na saúde emocional mesmo que o prognóstico seja favorável, como ocorre em muitos casos de melanoma?
Pode impactar mais na saúde mental devido o estigma social ou relacionado a uma representação social prévia individual. Também pode estar relacionado ao modo como a equipe informa esse diagnóstico e à qualidade dessa comunicação. Se diante do diagnóstico a pessoa conta com espaço para tirar todas as dúvidas e relatar concepções prévias, isso faz a diferença, pois muitos pacientes já têm carga familiar e experiências muito negativas. Assim, o paciente precisa de auxílio para diferenciar a sua história pessoal da história dos outros familiares.
Segundo o National Cancer Institute, até 25% dos sobreviventes de câncer apresentam sintomas de depressão e ansiedade. No caso dos pacientes de melanoma que trataram o tumor, mas continuam em acompanhamento, esses sintomas também podem se manifestar?
O sobrevivente do tratamento de melanoma vive sentimentos muito recorrentes de medo de recidiva da doença, medo da morte, medo de vivenciar novamente o tratamento, medo de não conseguir se adaptar à nova rotina de autocuidado. Muitos desses sobreviventes convivem com o fantasma da recidiva e isso gera uma catastrofização e pensamentos ruminantes sobre o tema, com impacto significativo na qualidade de vida. Por isso, o suporte psicológico ao paciente oncológico é tão relevante, para que ele consiga se adaptar, se ajustar e ressignificar de forma positiva a doença e o tratamento atravessado.